quarta-feira, 2 de fevereiro de 2005

Vale quanto o que se pensa que pesa

Vivemos no mundo onde o que vale é a impressão. Não basta resolver, às vezes nem isso é preciso, o importante é impressionar. Hoje não é possível ser apenas admitido em empresa, é preciso passar por uma bateria de testes, virar treinee, provar em outros testes que é capaz e aí sim ser reconhecido como parte integrante do quadro de funcionários, sem, é claro, a garantia de estabilidade. Aliás, o que é isso mesmo?
Circula pela Internet um texto publicado na revista Exame, escrito por Max Gehringer* que ilustra bem esse fato:

“Vi um anúncio de emprego e a empresa contratante exigia que os eventuais interessados possuíssem formação superior, liderança, criatividade, energia, ambição, conhecimentos de informática, fluência em inglês e ainda fossem hands on. O salário era um assombro: 800 reais. Após uma duríssima competição com outros candidatos tão bem preparados quanto ela, a Fabiana conseguiu ser admitida como gestora de atendimento interno (“ tucanaram” os serviços gerais**). Se um de seus primeiros clientes fosse o seu Borges o que ocorreria:
- Fabiana, eu quero três cópias deste relatório.
- In a hurry!
- Saúde.
- Não, isso quer dizer "bem rapidinho". É que eu tenho fluência em inglês. Aliás, desculpe perguntar, mas por que a empresa exige fluência em inglês se aqui só se fala português?
- E eu sei lá? Dá para você tirar logo as cópias?
- O senhor não prefere que eu digitalize o relatório? Porque eu tenho profundos conhecimentos de informática.
- Não, não. Cópias normais mesmo.
- Certo. Mas eu não poderia deixar de mencionar minha criatividade. Eu já comecei a desenvolver um projeto visando eliminar 30% das cópias que tiramos.
- Fabiana, desse jeito não vai dar!
- E eu não sei? Preciso urgentemente de uma auxiliar.
- Como assim?
- É que eu sou líder, e não tenho ninguém para liderar. E considero isso um desperdício do meu potencial
- Olha, neste momento, eu só preciso das três có...
- Com certeza. Mas antes vamos discutir meu futuro...
- Futuro? Que futuro?
- É que eu sou ambiciosa. Já faz dois dias que eu estou aqui e ainda nãoaconteceu nada.
- Fabiana, eu estou aqui há 18 anos e também não me aconteceu nada!
- Sei. Mas o senhor é hands on?
- Hã?
- Hands on. Mão na massa.
- Claro que sou!
- Então o senhor mesmo tira as cópias. E agora com licença que eu vou sair por aí explorando minhas potencialidades. Foi o que me prometeram quando eu fui contratada.”

Tornamo-nos profissionais cada vez mais especializados, entretanto, devemos estar preparados para enfrentar o que o mercado nos oferece: trabalho, ao invés de emprego; atividades necessárias, ao invés de funções previamente definidas; projetos, ao invés de ações imediatas; funcionários muito bem qualificados teoricamente, mas desqualificados emocionalmente...

* texto adaptado devido ao tamanho, para não ficar muito cansativa a leitura;
** como diria José Simão, colunista da Folha de São Paulo.

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