quarta-feira, 21 de setembro de 2005

Sob minhas vistas...


Eu sempre achei que enxergo bem. Não uso óculos, mas sei que isso não é condição para se afirmar que enxergo de longe ou que enxergo um palmo à frente do meu nariz... Visões demandam discussões maiores para se saber em que horizontes podem ir meus olhos.

Segunda-feira, às 18:00 horas. Chego em minha sala na biblioteca e um usuário me espera sentado. Ele é cego e quer conversar comigo sobre possíveis empréstimos de obras em Braile ou fitas de livros gravados. Ele quer levar esse material para a faculdade dele (isso mesmo, ele é estudante de ensino superior!). Ele já sabia o meu nome. Sabia meu horário de trabalho e, quando eu lhe dei um telefone de uma outra biblioteca e quis repetir para ele memorizar ele me corrigiu dizendo que primeiro eu falei 2499 e só poderia ser 3499, pois o estado é Minas Gerais... Levei-o até a portaria e lá foi o meu amigo sem reclamar da vida... Tomar seu ônibus...

Quarta-feira, às 13:00 horas. Estou no ônibus distraído, quando de repente entra um cego. Ele está sujo, não tem todos os dentes e faz questão de mostrar sua sujeira e sua ausência dentária. Ele parece dificultar ainda mais sua passagem para poder esbarrar nas pessoas, na roleta... Ele começa a esbravejar que não está ali para importunar, mas precisa de ajuda. Quer um centavo, mas se puderem lhe ajudar com mais... Está sujo e seu cabelo diz isso muito bem. Ele diz que não tem dinheiro para comer, não tem dinheiro para a Besetacil e que é cego. Está ali porque é cego.

Uma semana, dois cegos. Dois cegos diferentes. O primeiro pega ônibus como eu e você. O segundo entra nos ônibus com o pretexto de cuidar da sobrevivência. O primeiro é um cidadão que transgride um obstáculo, o outro faz do seu obstáculo um meio de vida...

Acho que só o segundo é verdadeiramente cego...
Mustafá!

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