terça-feira, 25 de janeiro de 2005

"É que Narciso acha feio o que não é espelho"*

Sempre achei esse papo de vaidade uma coisa muito complicada. Todos nós o somos de alguma forma, mesmo quando fazemos o máximo para esconder a satisfação de receber um elogio aqui, uma admiração acolá. Ontem estava catalogando, como diz uma amiga: “minha vida é catalogar por esse país”, e encontrei um livro do professor Darcy Ribeiro (o mesmo que “fugiu do hospital pra se tratar”). É um livro de crônicas, uma biografia disfarçada; deu muito trabalho para classificar, diga-se de passagem. A primeira parte, uma apresentação, diz o seguinte:

“Por que necessito falar tanto de mim mesmo? Vaidade, de certo. Admito com toda desfaçatez que gosto demais de mim e que me acho admirável. Creio mesmo que todo modesto tem razão: cada qual sabe de si. O diabo é que ninguém me adianta as expressões de admiração a que faço jus. Injustiçado, entro na liça para tomar o que é meu: a admiração alheia”.

Faço minhas as palavras de Darcy! Sou vaidoso sim e estou nessa bagaça pra emitir minhas opiniões para os outros concordarem. Respeito críticas e discordâncias, mas estou aqui pra falar do que eu quero, do que gosto e não gostaria nem um pouco de ser contrariado. Críticas nos impulsionam, mas doem. Não escrevo para formar opinião, mas para emitir a minha. Li um artigo na Superinteressante desse mês que diz que a Internet permitiu que muita gente falasse tudo o quisesse sem, no entanto, acrescentar muita coisa e mudar a maneira de pensar de alguém... Concordo também, estou aqui pra isso e não quero de forma alguma fazer a cabeça de ninguém... É preciso muito tempo para revolucionar...

Queria receber mais elogios é óbvio, quem não quer? Se disse ou pensou em “eu não!” está mentindo e o faz de uma maneira displicente demais para que os outros não percebam. Tá na cara! Estamos no mundo para nos admirarmos mesmo. Darcy Ribeiro assumiu, eu também o faço e convido vocês para esse exercício narcisista.

Por falar em Narciso, todo mundo já deve ter ouvido falar no mito que tanto se admirava no espelho das águas do lago que acabou morrendo afogado. Esse sim é o vaidoso mais conhecido. Dizem as más línguas que enquanto o belo rapaz se admirava mal sabia ele que era o lago que se achava muito bonito através da imagem que se podia ver através da íris dos olhos de Narciso. Ou seja: o mundo é vaidoso! Ninguém escapa! Mustafá!

Para ler:
RIBEIRO, Darcy. Testemunho. São Paulo: Siciliano, 1990.

* Verso de “Sampa” de Caetano Veloso.

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