segunda-feira, 28 de setembro de 2009

No céu...

Há 20 anos a conheci. Ela tinha os mesmos cachos cinzas no cabelo, a mesma voz mansa, a mesma boa conversa, o mesmo sorriso e a mesma mania simpática que combinava a simplicidade e a alegria. Eu era um menino de oito anos e meus pais a convidaram para jantar em casa. Eu curiosamente quieto, escutava-a ir de um assunto a outro e, quando olhava pra mim, sorria, mesmo que não o fizesse.
Eu gostava de suas estórias e de seu jeito amável de contar a vida. O jantar foi interrompido por uma forte chuva e a luz que se apagou. No agito que se fêz em meu peito e o medo do escuro ouvi sua pergunta: "você gosta de comprar o quê com o dinheiro que você ganha?". Eu, já esquecido do susto, disse envergonhado que a mim importavam umas balas e leite condensado... Ela emendou: "E guaraná, não?". Eu disse que sim com o movimento da cabeça.
Minha mãe colocou uma vela no centro da mesa e nosso jantar ficou mal iluminado, mas ainda cheio de suas estórias. Eu estava feliz por dentro e por fora e não sabia porque. Eu dormi antes dela partir, mas acordei no dia seguinte com um bilhete e alguns trocados. No texto ela dizia que tinha ficado feliz em me conhecer e que com o dinheiro eu poderia comprar "umas balas, uma lata de leite condensado e um 'caçulinha'". Ela já tinha ido embora. Eu fiquei emocionado e triste. Não queria que ela tivesse nos deixado assim tão rápido.
Eu fui crescendo e, todos os anos, ela aparecia na casa da minha avó para nos visitar. Enchia sempre tudo com suas estórias e seu jeito simples de fazer todo mundo descontraído. Eu pensei em comentar com ela esse meu sentimento, como ela tinha se tornado minha amiga na infância e como era importante para mim. Não disse. Deixei que o sorriso e meu olhar e ouvido atentos dissessem e fizessem-na perceber o quanto sua presença era bem vinda.
Ontem recebi a notícia de seu falecimento. Só então me dei conta de que não percebi que ela envelhecia, como eu, ao longo dos anos. Era a minha eterna amiga de infância a contar estórias, sempre com os cabelos cinzas. Não me deixou nenhum bilhete, mas a mesma sensação me veio à lembrança: fiquei emocionado e triste. Não queria que ela tivesse nos deixado assim tão rápido.
Foi meu paladar que se rendeu à saudade e pude sentir, mais uma vez, o gosto do guaraná caçulinha. Fiquei feliz por saber que pude conviver com alguém tão especial que seguiu seu caminho... Foi fazer jus ao nome: Celeste!
Mustafá!

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