segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

A pequena princesa

Já devo ter dito aqui que não gosto de Natal. Aprecio seu significado, mas me sinto triste e, por vezes, vazio nessa época do ano. Tudo passou a fazer um pouco mais de sentido quando Ana Luisa chegou em nossas vidas. Ter uma criança novamente em casa faz o Natal mais especial. O fato dela acreditar em Papai Noel nos mostra o quanto ainda é possível ter esperança. A alegria dela ao abrir os presentes nos apresenta a importância do sorriso e, mesmo com tantas perdas, que a vida nos destina algumas boas surpresas.
Dei a ela o filme O Pequeno Príncipe. Ana Luisa entendeu como pode, com sua imaginação e seu olhar/coração de criança poderiam entender. Ficou com medo da cobra, quis desenhar para ver se meu pai enxergaria um chapéu ou uma jiboia com um elefante na barriga, adorou o encontro do oásis e a brincadeira na água, se emocionou com a morte do menino e questionou sobre o acumulador que queria todas as estrelas do universo para si.
Eu fiquei ali, olhando pra ela e vendo seus olhos brilharem, suas rugas na testa de não entender tudo e seu sorriso de criança. Queria desenhar, como o piloto, uma caixa e guardar tudo aquilo pra sempre. Pedi pra que ela não crescesse, ela riu de mim e disse que não tinha jeito, "só se congelasse na geladeira", respondeu... Seria um pecado, pensei...

"E foi então que apareceu a raposa:
- Bom dia, disse a raposa.
- Bom dia, respondeu polidamente o principezinho que se voltou mas não viu nada.
- Eu estou aqui, disse a voz, debaixo da macieira...
- Quem és tu? perguntou o principezinho. Tu és bem bonita.
- Sou uma raposa, disse a raposa.
- Vem brincar comigo, propôs o princípe, estou tão triste...
- Eu não posso brincar contigo, disse a raposa. Não me cativaram ainda.
- Ah! Desculpa, disse o principezinho.
Após uma reflexão, acrescentou:
- O que quer dizer cativar ?
- Tu não és daqui, disse a raposa. Que procuras?
- Procuro amigos, disse. Que quer dizer cativar?
- É uma coisa muito esquecida, disse a raposa. Significa criar laços...
- Criar laços?
- Exatamente, disse a raposa. Tu não és para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens necessidade de mim.
Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás pra mim o único no mundo. E eu serei para ti a única no mundo...
Mas a raposa voltou a sua ideia:
- Minha vida é monótona. E por isso eu me aborreço um pouco. Mas se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol. Conhecerei o barulho de passos que será diferente dos outros. Os outros me fazem entrar debaixo da terra. O teu me chamará para fora como música.
E depois, olha! Vês, lá longe, o campo de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste! Mas tu tens cabelo cor de ouro. E então serás maravilhoso quando me tiverdes cativado. O trigo que é dourado fará lembrar-me de ti. E eu amarei o barulho do vento do trigo...
A raposa então calou-se e considerou muito tempo o príncipe:
- Por favor, cativa-me! disse ela.
- Bem quisera, disse o principe, mas eu não tenho tempo. Tenho amigos a descobrir e mundos a conhecer.
- A gente só conhece bem as coisas que cativou, disse a raposa. Os homens não tem tempo de conhecer coisa alguma. Compram tudo prontinho nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, os homens não têm mais amigos. Se tu queres uma amiga, cativa-me!
Os homens esqueceram a verdade, disse a raposa.
Mas tu não a deves esquecer.
Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas" (Antoine de Saint-Exupéry).

Na manhã seguinte, quando me despedi dela, Ana Luisa chorou e agarrou-se ao meu pescoço. Disse que não queria que eu fosse embora. Entendi, com o coração, nesse momento, o que a Raposa tinha dito. Chorei também... Certamente nunca mais encontrarei aquela menininha de novo, não aquela, talvez outra, mais crescida, mais menina e menos atenta aos sinais do sentimento. Fiquei o dia todo com sua imagem na minha mente e com sua vozinha me perguntando:
- Tio Leandro, eu tento pegar uma estrelinha pra mim e não consigo. Tem jeito?
Mustafá!

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