Eu poderia lembrar das mãos da minha mãe passando sobre a barriga que me abrigava. Eu poderia ouvir em minha memória a sua voz decidindo com meu pai como eu me chamaria. Eu poderia rever seu rosto e seu sorriso ao me ver nascendo ainda envolto de sangue e placenta. Eu poderia sentir a sua mão firmando o meu corpo para que eu pudesse caminhar e sua alegria ao me ver dando, sozinho, os primeiros passos. Eu poderia ouvi-la me ensinando a cantar “lé com cré” e contando a estória do Patinho Feio até me fazer chorar de tristeza com pena do patinho rejeitado. Eu poderia brincar novamente de lego ao seu lado enquanto ela fazia crochê. Eu poderia esperar a mamadeira de café com leite pela manhã até ela me convencer que eu já estava muito grande pra aquilo. Eu poderia pensar novamente que ela era uma bruxa ou alquimista, porque ela cozinhava bucho e até língua de vaca às vezes. Poderia esperá-la, ansiosamente, chegar de Belo Horizonte e me trazer um livro. Eu poderia discutir com ela de novo, pois eu queria um livro grande com capa dura e não o livro pequeno chamado “O mistério da goiabeira”. Eu poderia ir com ela até Cruzeiro, passar mal na viagem, mas comprar bolacha recheada de chocolate e morango, comer e voltar passando mal de novo. Eu poderia levar de novo inúmeras surras de pano-de-prato e ouvir seus gritos ensurdecedores ficando brava comigo. Eu poderia levar os puxões de orelha e ficar sentado na cadeira de madeira olhando a parede por cinco minutos e sem olhar para o Carlos, meu irmão. Eu poderia ganhar latas de leite condensado, fazer dois furos e ficar mamando assistindo à televisão. Eu poderia roubar junto com o Gustavo uma carteira de cigarros, embrulhá-la e dar de presente a ela mesma. Eu poderia brigar insessantemente com ela para ela deixar os cigarros. Eu poderia vê-la se despedindo de mim e vendo eu me distanciar com meu pai a caminho de Belo Horizonte, quando me mudei definitivamente. Eu poderia receber seus telefonemas em dias não combinados, suas lembranças e preocupações mesmo distantes.
Eu poderia, não fosse a memória que insiste em apagar, junto com o tempo, essas lembranças boas. Eu poderia, não fosse a vida, que insiste em dizer pra gente crescer e se distanciar daquilo que realmente é bom e seguro. Eu poderia, não fosse a distância, o trabalho, o estudo, a correria...
Eu me consolo com a certeza de que eu viveria tudo outra vez, mas só se fosse ao lado dela... Da minha mãe.
Eu poderia, não fosse a memória que insiste em apagar, junto com o tempo, essas lembranças boas. Eu poderia, não fosse a vida, que insiste em dizer pra gente crescer e se distanciar daquilo que realmente é bom e seguro. Eu poderia, não fosse a distância, o trabalho, o estudo, a correria...
Eu me consolo com a certeza de que eu viveria tudo outra vez, mas só se fosse ao lado dela... Da minha mãe.
Mustafá!
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